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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Operadoras questionam WhatsApp, mas linha é do consumidor, dizem especialistas

O maior mensageiro de dispositivos móveis do mundo, o WhatsApp, que se tornou febre nos últimos anos e já atingiu a marca de 800 milhões de usuários ativos em abril deste ano, segundo Jan Koum, CEO e cofundador da empresa, está envolvido em uma polêmica que parece longe do fim: a guerra bilionária com as empresas de telefonia, que vêm perdendo receitas para o aplicativo de mensagens instantâneas e chamadas de voz – serviço disponível desde o fim de 2014. 

As operadoras de telefonia móvel do Brasil e de várias partes do mundo já se posicionaram contra a função de chamadas por voz em aplicativos como o WhatsApp. O objetivo das teles é impedir que o usuário faça ligações por meio do aplicativo usando o pacote de dados da internet prestado por elas. O primeiro país a sofrer com a pressão para o bloqueio foi a Itália e por aqui as operadoras também começaram a mobilização.

As empresas de telefonia móvel revelam um descontentamento com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e entendem que o serviço de ligações do WhatsApp é um problema para o setor. Em recente declaração, o presidente da Telefônica Vivo, Amos Genish, classificou o WhatsApp como uma “operadora pirata” e disse que o problema do aplicativo de texto e voz, que usa internet e aparelhos celulares para comunicação entre as pessoas, não é o serviço de mensagens, mas o de ligações. “Não temos nada contra. É fantástico. Eu uso o WhatsApp. O problema é a ligação por WhatsApp, que não tem inovação. É uma operadora sem licença usando a nossa tecnologia, o nosso número de telefone”, disse o executivo, em setembro, em São Paulo. Ele ressaltou ainda que a Anatel “precisa sair da zona de conforto”.

O advogado e presidente da Associação das Empresas de Radiocomunicação do Brasil (Aerbras), Dane Avanzi, entende que o número do telefone é do consumidor, e não da operadora de telefonia. “A Vivo alega ‘possuir’ o plano de numeração e pagar taxas de Fistel de todos seus números ativos, o que é verdade, presumindo, em decorrência disso, prerrogativas absolutas sobre o uso, gozo e fruição decorrentes do direito adquirido sobre o plano de numeração em virtude da concessão de um serviço público de telecomunicações, da qual é uma concessionária”, diz. Sob a ótica do consumidor, no entanto, ele pondera que o plano de numeração pode ser interpretado como um mero instrumento de acesso ao serviço de telefonia móvel, seguindo inclusive padrões internacionais, no caso das ligações telefônicas para outros países, cuja metodologia é definida pela União Internacional de Telecomunicações (UIT).

Nesse contexto, o advogado explica que o número não pertence à operadora de telefonia, tanto que é assegurada ao consumidor a portabilidade do mesmo para qualquer concorrente, quando ele quiser. “Entendo que, ao pagar o plano de dados da operadora, o consumidor tem direito de usar os aplicativos que bem entender. É assim em todos os países e no Brasil não tem por que ser diferente”, destaca Avanzi.

SEM VÍNCULO

Quanto à natureza das taxas de Fistel – de fiscalização, de instalação e de funcionamento, reguladas por lei federal –, que objetivam financiar a atividade fiscalizadora da Anatel nos equipamentos de telecomunicações e torres que possibilitam o funcionamento do sistema de telefonia móvel em território nacional, Avanzi defende que o pagamento faz parte da universalidade de obrigações adquiridas por força da concessão de um serviço público, sendo pagas indiretamente pelo consumidor. 

“Dessa forma, está claro que a natureza do tributo é desvinculada do pretenso direito de ‘propriedade’ do plano de numeração”, diz. “Aliás, dar razão a esse entendimento implica em revogar em parte a prerrogativa da portabilidade, que tantos benefícios trouxe ao consumidor de telefonia móvel, o que seria um grande retrocesso”, reforça.

De acordo com órgãos de defesa do consumidor, até o momento, a Anatel tem se posicionado corretamente quanto ao entendimento de que as aplicações dos smartphones, como WhatsApp, Skype, Viber, entre outros genericamente chamados de Over the Top (OTT) pela Lei Geral de Telecomunicações, são consideradas serviço de valor adicionado e, por isso, não compete à agência ingerência sobre o assunto. 

O pesquisador em telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Rafael Zanatta defende que a Anatel não tem competência regulatória para serviços de tráfego de dados pela internet. “O objetivo das empresas de telefonia de bloquear as chamadas de voz de aplicativos como o WhatsApp é uma violação ao Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014”, afirma. 

A legislação estabelece, entre os princípios de uso da internet, a liberdade de modelos de negócios, a inovação e a liberdade de o consumidor usar os dados como preferir. O artigo 9º do Marco Civil diz que os pacotes de dados usados pela internet devem ser tratados de forma isonômica. 

“Mesmo que as operadoras ofereçam o acesso à internet, por meio de sua infraestrutura, elas não podem discriminar o que o usuário desejar usar. O Marco Civil entende que o consumidor está protegido e tem o direito de decidir o que é melhor para ele. Assim, a Anatel não pode punir o WhatsApp, nem influenciar o consumidor. É a garantia da neutralidade da rede”, explica.

MAIORIA USA RARAS VEZES

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) fez uma pesquisa para avaliar se vale a pena realizar ligações pelo aplicativo. A enquete realizada no site do instituto entre agosto e o mês passado mostrou que a maioria dos participantes (38%) usa o recurso raramente, e 31% usam com frequência, mas só quando estão conectados a uma rede wi-fi. Rafael Zanatta, pesquisador do instituto, destaca que, quando conectado ao wi-fi, a chamada pelo WhatsApp é claramente vantajosa, pois sai “de graça”, ou seja, não desconta da franquia de dados da internet móvel.

“Já quando o usuário está utilizando a rede da operadora de celular pra fazer a ligação, é preciso avaliar melhor se vale a pena. Segundo uma pesquisa do site Mobile Time, especializado no tema, cada minuto de chamada de voz via 3G consome cerca de 500kb (kilobytes). Levando isso em conta, é preciso comparar quanto custa o megabyte (Mb) do plano de dados do celular e quanto custa o minuto da ligação telefônica”, explica Zanatta. Segundo ele, na maioria dos casos, vale a pena usar a chamada de voz do WhatsApp em vez da ligação telefônica se o contato for de outra operadora, pois o custo do minuto desta costuma ser bem alto.

A pesquisa do Idec mostra que um plano pré-pago da Tim (Infinity Pré), por exemplo, cobra R$ 1,70 por minuto de ligação para celulares de outras operadoras em São Paulo. O mesmo plano cobra R$ 0,99 por dia pelo uso da internet com franquia de 10 Mb (ou R$ 0,09 por 1 Mb). Assim, se cada chamada via WhatsApp gasta 500kb (que corresponde a metade de 1Mb) por minuto, seu custo será de cerca de R$ 0,045 por minuto de duração nesse plano.

A empresária Maria Aparecida Viana Morais usa o WhatsApp para fazer ligações várias vezes ao dia. “Ligo pelo WhatsApp diariamente para o meu filho, que mora no Rio de Janeiro, e para as minhas irmãs, que vivem nos Estados Unidos. Acho o aplicativo excelente e prático e a qualidade da chamada de voz é muito superior às normais”, afirma. Ela sempre liga usando o wi-fi de sua casa, “e assim o custo é praticamente zero”. “O aplicativo permite a comunicação fácil e rápida. É tudo que preciso com tantos familiares distantes”, afirma.

A analista financeira Izabelle Mesquita Spindola considera um desrespeito ao consumidor a possibilidade de cancelar o serviço de voz do WhatsApp. “O consumidor tem o direito de escolher a melhor forma de usar as tecnologias disponíveis para a comunicação. A chamada de voz do aplicativo é ótima, não existem reclamações contra o serviço, que, pelo contrário, só traz benefícios”, diz. Ela usa o aplicativo para ligar para a mãe e para um amigo, que mora na Grécia, seja por meio do wi-fi ou mesmo do seu pacote de dados 3G. 

Enquanto isso... representação no MPF


A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – ProTeste encaminhou em 27 de agosto uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) contra as operadoras de telecomunicações brasileiras, por supostas práticas contrárias ao Marco Civil da Internet. De acordo com a coordenadora institucional da instituição, Maria Inês Dolci, a associação solicitou investigação à 3ª Câmara de Consumidor e Ordem Econômica da  Procuradoria-Geral da República para evitar que consumidores sejam prejudicados com a tentativa de bloqueio do serviço de voz em aplicativos, direito garantido  pelo marco civil. 

“Não podemos deixar que o interesse comercial das operadoras restrinja o uso do aplicativo pelos consumidores. O bloqueio desses serviços desrespeita a garantia de neutralidade da rede garantida pelo Marco Civil da Internet e a prestação adequada do serviço, em prejuízo de milhões de consumidores.” 

A Proteste lançou a campanha “Não calem o WhatsApp” e a petição on-line já conta quase 20 mil assinaturas. O objetivo do abaixo-assinado é reiterar o pedido de investigação das práticas comerciais das operadoras.

Fonte: Estado de Minas

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