Pesquisar

domingo, 3 de abril de 2011

O PESADELO DO FINANCIAMENTO APÓS 20 ANOS DE PAGAMENTO

Passa ano e sai ano, e diariamente verificamos o desespero de mutuários que fizeram seu financiamento da tão sonha casa própria e que agora, chegam ao final de 20 anos (240) meses, muitas vezes com um saldo devedor de três a quatro vezes o valor do imóvel.
Em 2010 foram 50 mil mutuários do SFH que se defrontaram com o fantasma do “saldo residual”.
Em 2011 a previsão é de que outros 40 mil também fiquem na mesma situação.
Isso ocorre, pois, desde 1987 os financiamentos do SFH passaram a não ter cobertura do FCVS – Fundo de Compensação de Variações Salariais para o chamado “saldo residual”, que é o saldo devedor restante ao final do prazo de pagamento do contrato.
Um ponto importante esclarecer aqui, é que, o mutuário realizava o financiamento, mas em momento algum, o agente financeiro lhe informava que caso existisse um saldo residual, o mutuário teria que pagar.
Como a prestação dos antigos contratos do SFH era corrigida pela equivalência salarial e o saldo devedor pela poupança mais juros de contrato, as parcelas pagas eram insuficientes para quitar o saldo devedor, gerando o tal “saldo residual”.
Em contratos de 240 meses, por exemplo, é comum os mutuários chegarem ao final dos 20 anos de parcelas, devendo duas vezes o valor de mercado do imóvel. A maioria dos contratos prevê o refinanciamento deste saldo residual por metade do prazo original, o que é feito de forma automática, e faz com que as prestações saltem de R$ 500,00 em média para R$ 6.000,00 ou mais.

Na maioria dos casos, o mutuário não tem como pagar esta nova prestação do prazo de prorrogação, pois supera seu salário bruto. Uma alternativa ao mutuário seria valer-se da limitação da prestação à 30% da renda, e aí pagar este valor até a liquidação do “saldo residual”, o que nunca chegaria ao fim, tornando o financiamento eterno.

A cláusula que prevê a prorrogação automática é considerada potestativa, ou seja, impossível de cumprimento pelo mutuário e, portanto, ilegal frente ao Código de Defesa do Consumidor e frente ao Código Civil de 2002. E é este argumento que traz alguma esperança aos mutuários do SFH, de finalmente terem a casa-própria, já que no momento só têm uma dívida impagável.

Vários julgados da 5ª Região do Tribunal Regional Federal tem dado esperança a vários mutuários que se encontram nessa situação.
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. MÚTUO. SFH. CONTRATO DE MÚTUO. APLICAÇÃO DO CDC. POSSIBILIDADE. SALDO RESIDUAL. CLÁUSULA ABUSIVA. ONEROSIDADE NAS PRESTAÇÕES APÓS CUMPRIMENTO DO CONTRATO. NULIDADE DA CLÁUSULA. PROVIMENTO DO APELO. PRECEDENTES.
- Ação em que se discute a nulidade de cláusula de contrato de mútuo, que faz previsão de pagamento de saldo residual após quitação do contrato, na hipótese, de aproximadamente cento e setenta mil reais, no prazo máximo de 102 (cento e dois) meses.
- “Com relação à aplicação do CDC in casu, sendo o contrato de mútuo habitacional uma relação continuada, isto é, de trato sucessivo, a lei nova deve ser aplicada aos fatos ocorridos durante sua vigência”. (STJ - AgRg-REsp 804.842 - (2005/0209726-7) - 4ª T - Rel. Min. Fernando Gonçalves - DJe 22.06.2009 - p. 621) - É possível o Poder Judiciário anular cláusula contratual que se apresenta excessivamente onerosa, in casu, em torno de cento e setenta mil reais, valor praticamente impossível de ser pago pelo mutuário, após cumprir com todas as obrigações contratuais impostas inicialmente.
- “A cláusula do saldo residual é nula, pois estabelece obrigação que coloca o mutuário em desvantagem exagerada, excessivamente onerosa, violando os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor”.
(TRF-5ª R. - AR 2007.05.00.006220-8 - (5589/PE) - TP - Rel. Des. Fed.
Luiz Alberto Gurgel - DJU 15.08.2008 - p. 737)
- Apelo provido.
O STJ também já decidiu que cláusulas deste tipo são potestativas e, portanto, nulas, embora ainda não tenha apreciado argumentações no tocante a contratos do SFH.
Como podemos verificar, o mutuário chega ao final do prazo contratual e não tem alternativa, pois ou paga a prestação exigida ou recorre ao Judiciário, pois senão perderá o imóvel que pagou por 20 (vinte) anos em dia. O financiamento eterno é proibido em nossa legislação e os bancos agiram com má-fé ao estipular este tipo de cláusula nos contratos, pois sabiam que haveria um saldo residual impagável, mas não alertaram os mutuários em nenhum momento sobre tal fato. Assim, as pessoas assumiam um contrato pensando que ao final do prazo, pagando as prestações em dia seriam donas do seu imóvel, o que não ocorreu em nenhum contrato deste tipo.
Apenas para ilustrar, entre 2007 e 2010 cerca de 300 mil contratos deste tipo chegaram ao fim e algumas dezenas de milhares estarão chegando ao fim em 2011 e nos anos seguintes. Muitos mutuários têm feito acordos com os bancos e praticamente refinanciando o imóvel pelo preço de mercado atual, mas para muitos só resta se socorrer ao Judiciário, pois a prestação do novo financiamento ou refinanciamento, não se enquadra no seu orçamento.

Chegamos então a conclusão de que, mais uma vez, o consumidor/mutuário foi ludibriado pelos agentes financeiros e o Poder Judiciário vem a passos de tartaruga estudando a situação dessas pessoas que honraram com o seu financiamento, pagando as duras penas, criando filhos, se mantendo como poderia dos planos econômicos, e, agora vê a tão sonhada casa própria virar um pesadelo.