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segunda-feira, 20 de julho de 2015

Rede social deve responder objetivamente por teor ofensivo, diz professor

* Por Sérgio Rodas

Não faz sentido que sites e portais de notícias sejam responsabilizados objetivamente por declarações ofensivas feitos de entrevistados e comentaristas de internet enquanto redes sociais podem ser absolvidas por conteúdo inadequado, tanto por retirarem-no em tempo hábil quanto pela alegação de que não têm como monitorar todas as postagens de usuários. Essa é a opinião do professor Rafael Peteffi da Silva, responsável pela área de Direito Civil na Universidade Federal de Santa Catarina.

“Entendo que um grande debate crítico deveria ser realizado a esse respeito, pois tenho dificuldade em admitir que órgãos de imprensa, absolutamente fundamentais em um Estado Democrático de Direito, com programas ‘ao vivo’ ou chats em tempo real, respondam pelo risco de não possuírem um controle editorial, enquanto gigantescas empresas administradoras de redes sociais não sejam responsáveis pela falta de controle dos conteúdos postados, nem mesmo para o caso de perfil falso, cuja criação poderia ser facilmente controlada de maneira mais eficiente”, analisa Silva.

O problema reside na aplicação da responsabilidade objetiva, pilar do Código de Defesa do Consumidor. Usando esse comando legal, o Superior Tribunal de Justiça já condenou um canal de televisão por declarações de um entrevistado feitas ao vivo (REsp 331.182). Em outro caso, a corte responsabilizou um portal de internet por comentários ofensivos postados em tempo real (REsp 1.352.053).

Nas duas situações, os ministros entenderam que o controle editorial do conteúdo está relacionado à atividade jornalística. Por isso, se algo veiculado ofender alguém, a empresa deve responder pelos danos.

Essa interpretação, no entanto, não tem sido usada quando o réu é uma rede social. Em processos desse tipo, os magistrados têm seguido a solução do notice and take down, segundo a qual o site não pode ser responsabilizado por conteúdos ofensivos se retirá-lo do ar em tempo hábil. A jurisprudência tem entendido não ser possível exigir que Facebook, Twitter ou Instagram controlem as milhões de postagens de usuários. O método foi consagrado pelo Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).

Silva aponta que o STJ já reconheceu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações entre redes sociais e seus usuários, pois os sites ganham com o uso dos dados dos internautas, mesmo que os serviços não sejam pagos. Se essa é uma relação de consumo, afirma, não dá para relativizar a responsabilidade objetiva.

“Esse raciocínio não está de acordo com a tradição jurídica brasileira e estrangeira em relação à análise de fenômenos regidos pela lógica da responsabilidade objetiva: ou o dano causado está fora do risco da atividade ou a empresa deve indenizar, pouco importando se ela tinha condições técnicas para efetuar o controle.”

O professor ainda ironiza as palavras usadas para justificar o afastamento da responsabilidade objetiva apenas para redes sociais, e não para jornais e canais de televisão: “Interessantíssima é a ‘dança dos termos’ aqui encontrada: substitui-se o ‘devido controle editorial’ imposto aos órgãos de imprensa por um alegado impedimento de ‘censura prévia’, como se a livre realização de postagens nas redes sociais representasse verdadeiro pilar civilizatório em nossa sociedade, muito mais importante que a circulação livre de entrevistas ‘ao vivo’.

AVANÇOS E RETROCESSOS

De acordo com Silva, o Marco Civil da Internet tem pontos positivos e negativos com relação ao Direito do Consumidor. Ele aponta que algumas hipóteses de penalização dos provedores, elencadas no artigo 12 da lei, representam um avanço. Contudo, o professor avalia que houve um “grande retrocesso” na responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

O civilista critica especialmente o dispositivo que só responsabiliza o provedor de aplicações de internet se desobedecer ordens judiciais (artigo 19 do texto). Para ele, era mais eficaz tese do STJ que considerava a omissão de empresas quando notificadas extrajudicialmente.

“A nova legislação piora muito a situação do consumidor, obrigando-o a enfrentar os trâmites judicias, que podem gerar prejuízos que se propagarão por considerável lapso temporal. Basta imaginar um cidadão comum, que levará algum tempo para constituir um advogado, cujo trabalho necessita de tempo razoável para ser executado, sem falar na morosidade do Poder Judiciário. Nessas situações, a vítima poderá sofrer o dano por muito tempo”, aponta Silva.

Além disso, ele ataca um “traço puritano injustificável” do legislador na elaboração do Marco Civil por prever a punição dos provedores que deixarem de excluir imagens ou vídeos de nudez ou sexo após terem sido notificados a fazê-lo, sem nada obrigar sobre a manutenção de ofensas graves à honra e à reputação de alguém. “Isso me parece tão grave quanto a publicação de imagens proibidas.”

* Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico

Fonte: Conjur

Crescimento da inadimplência recomenda compreensão e rigor

* Por Vladimir Passos de Freitas

A crise econômica veio para ficar e seus efeitos já se fazem sentir. Para ficar só em dois exemplos, R$ 851 milhões deixaram de entrar no FGTS, por conta do desemprego e da queda na renda do trabalhador (Folha de São Paulo do dia 9 de julho de 2015, p. A16). Montadoras de automóveis revelam as suas dificuldades e as demissões já são realidade (v.g., GM, 150 empregados). Isto representa retração no mercado, menor circulação de dinheiro e consequente aumento de compromissos descumpridos.

Por outro lado, fatores externos podem agravar a situação. A queda em Bolsa da China, que é o parceiro mais importante do Brasil, pode significar a diminuição de importação de produtos brasileiros e na suspensão de investimentos em nosso país. Menos empregos e menos disponibilidade financeira.

Em meio a esta nova realidade, que aparenta ser mais grave que todas crises que a antecederam, a inadimplência tende a aumentar. O Direito, consequentemente, terá de adaptar-se ao novo e isto não será fácil. A grande questão será distinguir entre aquele que não paga porque não tem como pagar e aquele que não paga simplesmente porque não gosta de pagar.

A linha demarcatória entre as duas condutas nem sempre se revela nítida. Os profissionais do Direito que se defrontarem com o problema terão de reagir com compreensão, habilidade e astúcia. A experiência de vida e a cultura jurídica de cada um serão as ferramentas colocadas à disposição.

Antes do exame das duas situações clássicas mencionadas, impõe-se fazer um registro. Os brasileiros, regra geral, administram mal suas finanças. Poucos possuem previdência privada, alguns não aderem sequer à pública, muitos endividam-se além do razoável. Tudo isto resulta em dificuldades financeiras e lamúrias quando nada mais há a ser feito. Pode parecer incrível, mas há pessoas que pertencem à elite das carreiras jurídicas, com excelentes vencimentos, mas vivem às voltas com credores. E isto, evidentemente, influencia de forma negativa suas atividades profissionais.

Educação financeira é a questão. Ela deveria fazer parte de atividades complementares no curso de graduação em Direito, em seminários na OAB e nas escolas ou academias das carreiras jurídicas, da Polícia à Magistratura. Substituir-se a centésima aula de Direito Constitucional por uma ou duas que ensinem as pessoas a administrar seu dinheiro.

Superado este aspecto, vejamos a situação dos insolventes involuntários. As situações são variadas, podem ser compradores de automóveis, de bens de uso doméstico, de imóveis, de empréstimos bancários e outros tantos. Financiamentos não cumpridos.

Bancos, financeiras, estabelecimentos comerciais de porte devem implementar políticas de negociação, com pessoas preparadas para a missão. O negociador deve ser arguto para saber distinguir entre alguém bem intencionado que se viu envolvido por uma situação nova e o aproveitador que pretende, tão somente, dilatar o prazo de pagamento ou mesmo não pagar.

Defensorias Públicas podem criar setor específico de atendimento e negociar dívidas de grupos, colaborando para a pacificação social.

Em Juízo, as ações, antes mesmo da vigência do novo CPC, devem passar obrigatoriamente por uma tentativa de conciliação. E neste particular seria interessante que uma ou mais varas fossem especializadas, a fim de alcançar melhores resultados. Os tribunais precisam sair do comodismo das tradicionais “Varas Cíveis” e adaptar-se ao século XXI.

Na outra ponta, é preciso que haja maior rigor contra os que se aproveitam da situação para eternizar suas dívidas. Vejamos um bom exemplo.

Nesta semana um prestigiado programa de TV matinal analisou algo que vem se tornando comum. Uma pessoa abastece seu veículo com gasolina e depois informa que não tem dinheiro para pagar. O comerciante exige um bem em garantia, por exemplo, um celular.

No programa, em meio a vídeos e entrevista com a representante do Procon, passou-se a mensagem de que esta retenção era proibida, fazendo-se menção ao art. 6º, IV, do Código do Consumidor. A diretora do órgão disse que o comerciante poderia anotar o número da placa do veículo ou pedir uma declaração de dívida do consumidor. Ora, essas não são soluções para coisa alguma. Dariam ao comerciante apenas o direito de entrar em Juízo cobrando, com todas as dificuldades que isto representa, especialmente a demora e a possibilidade, ao final, do devedor não ter bens a serem penhorados. Tal tipo de conclusão estimula os mal intencionados. Normalmente, ninguém vai a um posto de gasolina sem dinheiro. E se for, deixar uma garantia é uma solução do senso comum.

Além disto, ao meu ver, a solução apontada não é juridicamente correta. O Código do Consumidor nada dispõe sobre o assunto e o artigo citado nada tem a ver com o direito do consumidor que proíbe práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Na verdade, é perfeitamente possível aplicar-se analogicamente o direito de retenção das bagagens garantido aos donos de hotéis (Código Civil, art. 1.467, inciso I). Portanto, a retenção é válida, sendo proibida apenas a de documentos. Esta é uma interpretação que atende o pensamento comum das pessoas, as quais adotam e desejam procedimentos legais e éticos.

Em suma, o que se tem a fazer é enfrentar a nova realidade com atenção, compreendendo as dificuldades dos que sofrem por uma situação inusitada, mas agindo com rigor contra aqueles que, dela, apenas se aproveitam.

Não se pode abrir mão da confiança que deve existir nas relações jurídicas, sob pena de entrarmos em fase de pleno retrocesso social. 

* Vladimir Passos de Freitas é desembargador aposentado

Fonte: Conjur