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quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Parto normal é um direito do consumidor?

Um dos  primeiros direitos que se estabelece no Código de Defesa do Consumidor (CDC) é o direito a proteção da vida e saúde. O momento do parto, para a mulher, é um dos mais especiais e a relação que se estabelece com o médico e com a operadora do plano de saúde nesse momento deve ser pautada pela maior transparência possível, sendo obrigação uma informação correta acerca dos procedimentos a serem realizados e da necessidade ou não de cesariana. 

De acordo com a Agência Nacional de Saúde (ANS), atualmente, o percentual de partos cesáreos na saúde suplementar é de 84,6%. As cesarianas salvam vidas, mas são um procedimento cirúrgico, e como tal devem ter indicação precisa. 

Quando não tem indicação médica, a cesárea ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê, pois aumenta a prematuridade: o parto prematuro aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados à prematuridade. 

Diante de tais dados, a ANS desenvolveu duas importantes iniciativas visando à melhoria da atenção obstétrica e à redução de cesáreas desnecessárias na saúde suplementar, são elas: o Projeto Parto Adequado e a Resolução Normativa nº 368. 

Projeto Parto Adequado 

O projeto Parto Adequado é uma cooperação técnica entre a ANS, o Hospital Israelita Albert Einstein e o Institute for Healthcare Improvement (IHI), com o apoio do Ministério da Saúde, implementado em hospitais privados e públicos, na forma de projeto piloto, para testar estratégias que promovem o parto normal e favorecem a redução de cesáreas desnecessárias e de possíveis eventos adversos decorrentes de um parto não adequado. 

Fazem parte do projeto cerca de 40 hospitais, sendo que cinco deles são maternidades que atendem pelo Sistema Único de Saúde. 

As operadoras de planos de saúde também têm mostrado interesse e participado ativamente da iniciativa. 

Resolução Normativa 368 

A medida tem como objetivo garantir o direito de acesso a informações de qualidade para que a mulher possa tomar, em conjunto com seu médico, a decisão sobre o parto. 

Com mais informações, a mulher tem mais poder de decisão. Para isso, as operadoras de planos de saúde, sempre que solicitadas, deverão divulgar os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico. 

As operadoras também serão obrigadas a fornecer o Cartão da Gestante e a Carta de Informação à Gestante, no qual deverá constar o registro de todo o pré-natal. Além destas informações, os médicos deverão utilizar o Partograma,  documento gráfico onde é registrado tudo o que acontece durante o trabalho de parto. Caso a gestante não entre em trabalho de parto, o partograma poderá ser substituído por um relatório médico. 

O partograma deve conter as principais informações acerca de sinais que apontem para a necessidade de mudança da via natural do parto, bem como quaisquer outras intervenções que se façam necessárias. É um instrumento simples, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e de fundamental importância para o monitoramento do trabalho de parto, por isso foi incluído com um dos documentos necessários para o faturamento do serviço realizado pelo médico, como forma de induzir a sua utilização no setor de saúde suplementar. 

As operadoras que deixarem de prestar as informações solicitadas em cumprimento à Resolução Normativa estão sujeitas a sanções que podem chegar à multa de R$ 25 mil. Em caso de descumprimento da RN 368, a ANS possui canais para esclarecer dúvidas ou registrar reclamações:  disque ANS (0800 701 9656), atendimento telefônico gratuito, disponível de segunda a sexta-feira, das 8h às 20 horas (exceto feriados). 

Fonte: Terra

Defeito em carros pode ser considerado dano moral

Detalhes de ferrugem no ano em que Inge comprou
seu Chevrolet Corsa (Foto: Arquivo pessoal/Inge Tittel)

Ações por danos morais movidas por donos de carros com defeito têm gerado discussão na Justiça. Em decisões recentes, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ordenou que montadoras indenizassem proprietários de veículos com falhas que foram desde a não abertura de airbags em acidentes a ferrugem na lataria. Nesse tipo de caso, a vítima alega ter passado por sofrimento, dor, angústia, nervosismo ou preocupação.

A batalha, no entanto, é longa: os casos que tiveram ganho de causa no STJ levaram anos para terem uma conclusão. Em uma delas, foram 17 anos nos tribunais. E cabe a quem entrou com a ação ela provar tanto a falha, com perícia, quanto os transtornos que isso provocou.

Para especialistas em direito do consumidor ouvidos pelo G1, as decisões do STJ poderão abrir um precedente que os advogados chamam de jurisprudência, ou seja, um conjunto de decisões para servir de "guia" aos próximos processos sobre o mesmo tema. Mas trata-se ainda de um tema muito novo: decisões sobre danos morais são recentes no País.

"Essas decisões são baseadas no Código de Defesa do Consumidor, que já é uma lei de aplicação bem sucedida", explica Luciano Godoy, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). "No caso dos veículos, percebemos que o volume de processos está aumentando, até mesmo pelo crescimento das vendas e da tecnologia nos carros, que os deixa mais suscetíveis a falhas."

FERRUGEM NO CARRO

A empresária Inge Tittel, de 55 anos, esperou 17 anos por uma decisão favorável na Justiça, desde que encontrou ferrugem em diversas partes de um Chevrolet Corsa 0 km.

"Cerca de 2 meses depois de tirar o carro novo da concessionária, levei para lavar no posto, e o rapaz que fazia a secagem me chamou a atenção para pontos de ferrugem. Levei a um mecânico de confiança, e ele suspendeu o carro. Tinha problema sério de ferrugem em tudo", descreve Inge.

No processo, que chegou ao STJ, a Chevrolet alegou que "as peças alcançadas pelo ferrugem são ínfimas e de pouco destaque no veículo" e sugeriu que fosse feito o reparo nas chapas. No entanto, dois laudos, um deles feito por perito indicado por juiz, concluíram que um reparo não garantiria que a ferrugem fosse totalmente eliminada e que o problema provocaria depreciação do veículo caso a proprietária quisesse vendê-lo.

"Sabia que ia demorar porque a Justiça permite diversos recursos, mas persisiti. A maioria das pessoas desiste e passa ao carro adiante. O meu ficou na garagem todo este tempo e tive de comprar outro para usar, enquanto aguardava a decisão. E quem não pode fazer isso?", questiona Inge. "Quem compra um carro 0 km não está querendo um problema. O prejuízo não é só financeiro." 

Procurada pelo G1, a Chevrolet não quis comentar o caso. Neste e nos demais casos relatados abaixo, as indenizações ainda não foram pagas porque, após a orientação do STJ, os processos voltam aos tribunais de origem para execução da pena.



AIRBAG QUE NÃO ABRIU 

Em um dia chuvoso de 2002, o advogado Marcos Sávio Zanella sofreu um acidente com um Citroën Xsara Sport, em Rio do Sul (SC). A colisão frontal com uma betoneira que cruzou a pista na transversal deu "perda total" no sedã. O airbag não abriu: “Eu lembro bem de ver um caminhão na minha frente. Só acordei 2 horas depois no hospital”, afirmou Zanella, que teve traumas na cabeça e na mandíbula, além de cortes superficiais no rosto.

O airbag não foi feito para abrir em qualquer tipo de colisão. Depende de diversos fatores, como a desaceleração e o local do impacto. Para saber se era mesmo um defeito do veículo, Zanella pediu uma perícia a um engenheiro.

Com o laudo em mãos, processou a Citroën por danos morais por acreditar ter sido enganado pela fabricante, com relação ao nível de segurança do veículo, conforme o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, que diz que "o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera."

No momento da compra, o nível de segurança do Xsara foi um fator de peso na escolha, diz o advogado. O modelo tinha quatro airbags, um luxo na época, em 2001. No processo, Zanella até anexou a capa de uma revista especializada, dizendo que o modelo era a melhor opção na categoria por causa da segurança.

Em primeira e segunda instâncias, os tribunais reconheceram a falha no airbag, mas não concederam indenização por danos morais. Eles entenderam que as lesões foram leves e não deixaram sequelas no motorista.

Zanella entrou com recurso no STJ e, em julho passado, o tribunal determinou indenização por danos morais, que deve ficar em torno de duas vezes o valor do carro - na época, cerca de R$ 30 mil - acrescido de correção monetária.

A Citroën acatou a decisão, mas informou em nota que “não teve acesso ao veículo em questão para a realização de perícia técnica". E que, desta forma, "fica impossibilitada de emitir um relatório conclusivo sobre o fato”.

A fabricante ressaltou que o modelo Xsara, produzido entre 1997 e 2003, teve mais de 2 milhões de unidades vendidas em todo o mundo, e “sempre foi referência mundial de segurança em seu segmento, não sendo constatadas irregularidades no funcionamento de seu sistema de airbag.”

OUTRO CASO DE AIRBAG

Na decisão que definiu o pagamento de danos morais no caso do Citroën, o STJ  citou um outro caso de não abertura no airbag, desta vez contra a Renault. Ele ocorreu em 2001, quando um Scénic colidiu de frente com um caminhão, em Curitiba (PR). Conforme consta no processo, o airbag não abriu e o motorista sofreu cortes no rosto e lesões no ombro e cotovelo.

À Justiça, o proprietário levou um panfleto de propaganda da montadora que dizia: “Você já sabe que, nos carros da Renault, segurança não é opcional”, descrevendo o funcionamento das bolsas infláveis frontais.

O caso também foi parar no STJ, que, em 2014, entendeu que a fabricante teve responsabilidade “pelo abalo psíquico sofrido pelos recorrentes, decorrente do defeito do produto" porque, com base na descrição do veículo, o consumidor esperava um carro seguro. A indenização por dano moral deve girar em torno de R$ 30 mil.

A Renault informou ao G1 que a dinâmica do choque "não foi suficiente para o acionamento dos airbags" e que a afirmação do perito "carece de elementos factuais". 
Afirmou também que não foi possível saber se a manutenção do veículo era feita regularmente e se houve alguma alteração não recomendada na parte elétrica, para instalação de acessórios por exemplo. Segundo a Renault, um scanner eletrônico pode atestar o bom funcionamento dos componentes, incluindo o airbag.

CADÊ O MEU MOTOR?

No Paraná, um empresário, que não quis ter o nome divulgado, descobriu um problema com sua Ford Ranger quando foi vendê-la, em 2005. Na hora da transferência, a picape não passou na vistoria do Detran porque o número do motor não batia com a documentação.
A concessionária onde o veículo foi comprado, 0 km, em 2001, acusou o proprietário de ter trocado o propulsor, mas ele disse que nunca mexeu nele. A venda foi cancelada e o proprietário ainda teve de se explicar.

"O comprador falou que eu tentei enganá-lo, que eu sabia que não ia passar na vistoria. E ele já tinha passado o carro para uma terceira pessoa, por um valor superior ao que eu vendi. Tive de devolver o dinheiro e ainda pagar o valor a mais a ele", relatou.
No final do ano passado, o STJ confirmou indenização por dano moral de R$ 5 mil ao proprietário, que foi obrigado a manter a Ranger em sua posse. Em contato com o G1, a Ford afirmou que não comenta processos em andamento.

VAI VIRAR TENDÊNCIA?

De acordo com Godoy, da Escola de Direito da FGV-SP, as indenizações por danos morais têm sido determinadas porque o consumidor acredita na informação dada pelo fabricante, já que não tem meios de checar se aquilo realmente funciona. "O consumidor se sente traído", diz ele.

O especialista de direito do consumidor Vinicius Zwarg concorda que as decisões recentes podem servir de guias para processos semelhantes, mas alerta que, com a lentidão dos tribunais brasileiros, essa jurisprudência pode demorar décadas para ser construída. E ela também pode mudar ao longo dos anos, conforme as interpretações, diz ele.

"Indenização por dano moral é razoavelmente recente no Brasil. É natural que a construção da jurisprudência seja lenta, porque precisa de uma série de decisões, sedimentando ao longo dos anos. Com relação a planos de saúde, por exemplo, até pouco tempo atrás o não atendimento não gerava dano moral, mas agora em muitos casos é possível", afirma Zwarg.

Em casos julgados, relacionados a carros, as indenizações por danos morais partiram de "simbólicos" R$ 2 mil e chegaram perto de R$ 200 mil, como no caso da morte do cantor João Paulo, que sofreu um acidente com um BMW Série 3, em 1997 - um caso ainda está em disputa judicial.

"O valor é proporcional ao desconforto. O pagamento tem mais caráter de punição para quem paga do que de enriquecimento para quem recebe. Para ver se a empresa é mais cuidadosa da próxima vez", diz Godoy.

NECESSIDADE DE PROVAS

Diferentemente do dano material e estético (cicatrizes e perda de membros), que têm critérios objetivos, o dano moral pode estar relacionado a dor, angústia, nervosismo e preocupação, mas precisa ser provado pela vítima.

"Não basta ser alegado, tem que ser demostrado. Por exemplo, quem opta por um carro com mais airbags está primando pela segurança, então o não funcionamento pode acarretar em dano moral. Se o médico recomendar remédio para se acalmar, também é uma prova que houve dano moral", explica Zwarg.

Antes de tentar provar o dano moral, é preciso verificar se realmente houve falha no automóvel. Zwarg aconselha fazer um laudo preliminar com um engenheiro. Durante o processo, um outro perito deve ser designado pelo juiz para confirmar a avaliação inicial.
No caso de dano material, o Código de Defesa do Consumidor inverte o ônus das provas, ou seja, quem tem que provar que o carro não tinha defeito é a fabricante, concessionária ou importadora.

"Se falar que o carro está com problema da suspensão, a fabrica precisa provar que não está ou então que o consumidor fez alguma coisa errada, gerando o problema", explica Godoy. 

Fonte: Auto Esporte/G1