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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Devo, não nego; pago quando puder

* Por Mônica de Cavalcanti Gusmão

É dever de todo credor cumprir a obrigação que assumiu no vencimento combinado; contudo, o consumidor inadimplente não poderá ser exposto a ridículo nem mesmo submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. O credor possui o direito de cobrar as dívidas existentes e vencidas, nos limites do exercício regular do direito e não de forma abusiva. É certo que o ato de cobrança, por si só, importa um mínimo de constrangimento até mesmo pelo estado de sujeição que se encontra aquele que deve; no entanto apenas os atos desproporcionais serão ilegítimos.

Bancos e cadastros de dados, pela troca de informações coletadas, passaram a traçar o perfil dos consumidores, pessoas físicas ou jurídicas, quando na concessão do crédito, tornando-se medidas preventivas de realização de maus negócios. Os bancos de dados são os denominados serviços de proteção ao crédito, em que o destinatário é o fornecedor. A entidade realiza o cadastro, mas não o faz em interesse próprio. 

Já nos cadastros os próprios consumidores fornecem os dados, geralmente no momento da aquisição do produto ou serviço. O Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre práticas abusivas relacionadas aos cadastros, tais como a vedação do repasse de informações depreciativas sobre o consumidor quando este age no exercício dos seus direitos, bem como prevê sanções de caráter administrativo (art. 56) e penal, no que diz respeito a coação ou constrangimento por afirmações falsas, incorretas ou enganosas na cobrança de dívidas (art. 71).

Os bancos de dados que prestam serviços a terceiros, como por exemplo, SPC e Serasa, têm caráter público, assim como os próprios cadastros internos das empresas, mesmo que passíveis somente de uso pelo próprio detentor. Neste passo, garante-se o direito de defesa para serem questionados seus conteúdos através da garantia constitucional habeas data. A comunicação da inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes deve ser imediata, seja positiva ou negativa, sendo obrigação exclusiva da entidade responsável pela manutenção do cadastro, cuja falta poderá acarretar compensação por danos morais (verbete n° 359 da Súmula do STJ). 

As entidades credoras que utilizam os serviços de cadastro de proteção ao crédito devem mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar de imediato o cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de a omissão ensejar prejuízos de ordem material e ou moral ao consumidor. Ressalte-se que a informação negativa não poderá ser mantida por prazo superior a cinco anos, contados da data do vencimento da dívida inadimplida ou após consumada a prescrição da pretensão da ação de cobrança.

O STJ vem firmando posição no sentido de não admitir ou reduzir o valor do dano moral na hipótese de devedor contumaz, ou seja, quando da reiteração da conduta do consumidor em não cumprir com o pactuado. Não é possível presumir que o consumidor experimente com mais uma inscrição qualquer sentimento vexatório ou humilhante anormal, porque a situação não lhe seria incomum. Portanto, se a inscrição se der sem a respectiva notificação, ou seja, irregularmente, terá o consumidor apenas o direito de vê-la cancelada. Diz a Súmula n°385 do STJ:

“Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.” No que tange a fixação do quantum a ser indenizado, a Jurisprudência do STJ é no sentido de que o valor da condenação deve ser fixado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em punição excessiva à parte que indeniza nem o enriquecimento indevido da parte lesada. 

A valoração deve se dar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, a capacidade econômica das partes e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades do caso. 

O professor Sérgio Cavalieri Filho, que muito bem expõe: “Se o juiz não fixar com prudência e bom senso o dano moral, vamos torná-lo injusto e insuportável, o que de resto já vem .ocorrendo em alguns países, comprometendo a imagem da justiça (...) na fixação do quantum debeatur, da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro (...) qualquer quantia maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.” (Programa de Responsabilidade Civil. P ed., 2ª tiragem. pág. 78).

Tolerar o mau pagador é uma coisa. Admitir que ele utilize o Judiciário como loteria é outra!

* Mônica de Cavalcanti Gusmão é professora de Direito

Fonte: Monitor Mercantil