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segunda-feira, 19 de maio de 2014

Boa-fé e direito à informação devem ser defendidos nas relações de consumo

Para ter mais confiança do consumidor, mercado precisa ser mais justo e adotar práticas responsáveis, dizem especialistas. O assunto foi abordado durante o painel “Contratos de consumo e a proteção dos deveres de boa-fé: informação, conselho e esclarecimento”, abordou no último dia do 21º Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, realizado na semana passada, em Gramado (RS). Especialistas debateram as relações de confiança no mercado consumidor e a quebra dos princípios que permeiam o conceito da boa-fé.
Os palestrantes foram unânimes em destacar que, no Brasil, os fornecedores insistem em enganar os clientes, levando-os ao endividamento excessivo e ao uso indiscriminado de crédito financeiro. A advogada e assessora executiva da Fundação Procon São Paulo, Vera Remedi, destacou o princípio da boa-fé como base ética das relações mercadológicas atuais. 
Ela acredita que hoje não ocorre a colaboração entre os integrantes de uma relação contratual de consumo, principalmente por parte dos fornecedores de crédito que não prestam atenção adequada ao cliente, nem esclarecimento sobre o contrato, taxas, custos e riscos de inadimplência. “Eles priorizam o estímulo de utilização do crédito rotativo e do cheque especial, que têm as piores taxas de juros do mercado. É uma postura sem ética e de desrespeito ao consumidor”, criticou.
Vera crê que não existe educação financeira nem regulação adequada por parte do governo. “Nós temos no País cerca de 70% dos consumidores endividados”, ressaltou. A advogada defende a aprovação do projeto de lei nº 283, que prevê a garantia do crédito responsável, a Educação Financeira e a prevenção e tratamento das situações de superendividamento. Estabelece ainda o conceito do “mínimo existencial” de renda, que deve ser garantido por meio de revisão e repactuação de dívidas. “Existem cada vez mais abusos porque não há nada que proíba os bancos de levarem as pessoas ao endividamento. Devemos lutar por programas e políticas públicas que enfrentem esse problema no mercado”, concluiu.


O advogado e diretor do Brasilcon, Paulo Roque, abordou o direito à informação como um fator intimamente ligado aos direitos dos consumidores. Ele vê na informação a liberdade de escolha do consumidor, com o uso seguro de um produto que o indivíduo saberá o que oferece e quais são os seus riscos. Para Roque, a informação isolada não representa nada. Ela está atrelada ao um processo de comunicação onde o fornecedor deve informar ao cliente dados corretos sobre determinado serviço ou produto para que o consumidor possa ter autonomia, controle sobre a execução de um contrato e garantir sua saúde e segurança, evitando acidentes de consumo.



Ele cita obstáculos à efetividade do direito à informação como a assimetria entre consumidor e fornecedor, os interesses contratuais contrapostos e o excesso da informação. “O fornecedor não precisa saber tudo, mas o essencial para que informe o consumidor minimamente. E também não pode passar informações em demasiado, pois o leigo tende a ficar confuso com uma enxurrada de dados”, ilustrou.



O advogado acredita que, se precisarmos utilizar da boa-fé sempre, significa que nosso direito à informação avançou pouco. Para ele, o direito à informação tem autonomia suficiente no código das relações de consumo, e a boa-fé não deve ser utilizada em tudo. Apesar disso, ele não descarta totalmente a boa-fé. “Não se pode desconhecer a importância dela para o direito privado e do consumidor. Mas essas reflexões dizem respeito ao mau entendimento sobre o direito. Ainda estamos perdidos no quê e no como informar. Sistematizando melhor o direito à informação, teremos melhores resultados. No Código Civil, a boa-fé deve ser base, mas no do consumidor tem que se priorizar o direito à informação”, finalizou.



ALERTA

O promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais e diretor do Brasilcon, Plínio Lacerda, usou seu espaço no painel para fazer um alerta sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Segundo ele, essa é uma prática médica, que vem sendo disseminada no Brasil, em que a gestante aceitaria o pagamento sem recibo de uma Taxa de Disponibilidade para que o médico realize o parto sem que a paciente precise esperar pelos serviços oferecidos no plantão do hospital. Em alguns casos, é cobrado mais de R$ 2 mil pela prática abusiva.



Conforme Lacerda, o Conselho Federal de Medicina (CFM) disse que é possível a dupla cobrança, e que nada impede o médico de fazer o termo e informar o paciente. No entendimento do conselho, isso é lícito se houver a assinatura da gestante. Plinio considera que o princípio da boa-fé proíbe comportamentos contraditórios e que, nesses casos, os médicos não têm dado opção de escolha à gestante. Na verdade, a paciente teria duas opções, mas, em uma situação de emergência, como é o caso de um parto, uma das opções seria naturalmente descartada pela paciente para garantia da saúde e da vida.



Para o promotor, é necessário coibir esse tipo de conduta. “Que os Procons possam autuar esse profissional para o consumidor efetivamente poder utilizar a boa-fé”, afirmou. Lacerda criticou os órgãos reguladores, que não tem protegido o consumidor. “Nesse caso, a ANS (Agência Nacional da Saúde) não agiu de nenhuma forma, a Anatel (de telecomunicações) não garante qualidade total dos serviços telefônicos e a Aneel (de energia elétrica) não poderia tolerar cobranças de taxas de religação de luz após apagões”, comentou. Ele reafirmou o papel fundamental do Código de Defesa do Consumidor na defesa do consumidor, com a ajuda de Procons e da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).



A juíza de Direito e professora da Universidade da República do Uruguai, Dora Szafir, afirmou que o seu país passa por situação semelhantes, onde as leis existem, mas não são aplicadas. “Os países têm que se unir para garantir a defesa do consumidor, para cumprir as funções sociais de contrato”, enfatizou. Dora explicou que, no Uruguai, ainda se utiliza o Código Civil para resolver questões do mercado atual, e que isso contribui para se alcançar soluções injustas.



A juíza acredita que a boa-fé deva ser vista de uma maneira diferente nos dias atuais, com aplicação da honestidade, lealdade, solidariedade, probidade e respeito pelo outro na atuação mercadológica. No país vizinho, ainda não existem suficientes controles, segundo ela. “Falta um direito protetor e isso encontra resistência do mercado uruguaio”, lamentou.



Para Dora, o cumprimento de contratos tem que acontecer a partir da aplicação das leis, agregando confiança, informação, solidariedade, segurança, combate a fraudes, ao abuso, colaboração e renegociação. “Nem sempre a jurisprudência aplica a lei, e isso é muito triste, pois é o lugar em que as pessoas deveriam se defender e confiar”, comentou. “A boa-fé deve nos levar a perseguir que os modelos de contrato sejam mais igualitários, equilibrados, justos e equitativos. Temos que fazer com que a liberdade, justiça e igualdade virem realidade”, disse.

Fonte: Portal Segs

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