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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Lei da Arbitragem aplicada às relações de consumo aceleraria resolução de demandas

* Por Flávio de Freitas Gouvêa Neto


Recentemente a lei brasileira de arbitragem foi alterada. Entre os vetos presidenciais estão dois parágrafos aplicáveis a matérias relacionadas ao direito do consumidor. A arbitragem segue crescendo e apesar de sua aplicabilidade em algumas áreas ainda ser controversa é um debate interessante saber em quais áreas ela pode ser aplicada e até que ponto as limitações legais podem ser benéficas para o aperfeiçoamento e desenvolvimento da arbitragem no Brasil.

Na Espanha faz muitos anos foi criado um sistema arbitral de consumo, atualmente regulado pelo Real Decreto 231/2008 (RDAC), que estabelece o funcionamento do Sistema Arbitral de Consumo espanhol. Foi um dos primeiros países do mundo que estabeleceu um sistema arbitral destinado a resolver unicamente as reclamações de consumidores contra empresas, ainda no ano de 1993. Segundo dados de uma pesquisa do The European Consumer Center Network, o principal instrumento extrajudicial de resolução de conflitos na Espanha é a arbitragem em questões de consumo.

Os números comprovam que a arbitragem de consumo já é amplamente utilizada na Espanha. Segundo dados estatísticos obtidos no Instituto Nacional de Consumo, no ano de 2013 o sistema arbitral de consumo espanhol recebeu 122.361 reclamações. Deste total, 65.124 conflitos foram resolvidos por meio de um laudo arbitral, 22.237 com um acordo em mediação e 16.930 arquivados sem resolução. Comparado aos anos anteriores, o número de reclamações vem crescendo e o sistema tem se mostrado viável para responder às necessidades de empresários e consumidores espanhóis.

ESPANHA

Diferente do Brasil, a Espanha não possui um procedimento simplificado em conflitos cuja repercussão econômica é baixa, tal como o nosso procedimento dos juizados especiais cíveis, feito que impossibilitava e dificultava o acesso á justiça dos consumidores. Talvez a inexistência de um procedimento judicial simplificado tenha impulsionado a busca por uma alternativa para a solução dos conflitos entre consumidores e empresários.

O sistema arbitral espanhol é considerado institucional pois é organizado, financiado e mantido pela administração pública. Ele existe em três âmbitos, o nacional, das comunidades e dos municípios, e cada ente pode organiza-lo da forma que achar melhor, desde que respeitados os ditames da legislação sobre o tema. Não existe uma competência especifica para cada uma das juntas e o consumidor pode escolher aquela que achar mais conveniente. Mesmo sendo um órgão da administração publica não pode ser considerado um tribunal administrativo já que seu funcionamento é de acordo com os princípios e características de um órgão arbitral.

O sistema se destina a decidir conflitos que tenham como parte um consumidor e um empresário ou profissional.Os conflitos que podem ser objeto da arbitragem de consumo são os que versem sobre matérias de livre disposição para as partes, com exceção dos conflitos que envolvam intoxicação, lesão ou morte de alguma pessoa, e quando existam indícios de algum crime, incluída a responsabilidade por danos e prejuízos diretamente derivado de estes.

ADESÃO VOLUNTÁRIA

A adesão do empresário ao sistema é voluntária, assim como a anuência das partes em participar do processo. O sistema é considerado unidirecional porque só conhece reclamações do consumidor contra o empresário ou profissional. A possibilidade de os empresários aderirem ao sistema arbitral de consumo é uma inciativa muito interessante. Os interessados podem se inscrever à oferta de adesão ao sistema e um dos benefícios é a possibilidade de o empresário utilizar um selo que informa aos consumidores que eventuais conflitos podem ser resolvidos de uma forma eficaz e rápida pela arbitragem. Isso também pode representar sem um diferencial do empresário ante a sua concorrência.

A decisão do órgão arbitral é de caráter vinculante para as partes, ou seja, tem a mesma força de uma sentença judicial. As decisões podem ser baseadas na equidade ou direito. No sistema arbitral da prefeitura de Madrid, por exemplo, o órgão arbitral decide os conflitos com base na equidade e é composto por três árbitros, sendo um deles representante da administração pública, um de uma associação empresarial e outro de uma associação de proteção dos consumidores.

A presença de árbitros de diferentes setores contribui para a independência e imparcialidade do órgão. O sistema arbitral nesses moldes é bem diferente do que algumas agências reguladoras brasileiras estavam instituindo, com árbitros indicados pelas associações de empresários, sem representantes das associações de consumo, fato que sem dúvida compromete a independência e imparcialidade do órgão arbitral.

O processo também é gratuito para as partes, o que torna muito atrativo para consumidores e empresários buscarem uma solução para seus conflitos através deste sistema, ainda mais se tratando conflitos de consumo que em muitos casos tem um valor econômico baixo e isso desencoraja o consumidor a lutar por seus direitos através de um processo judicial tradicional mais custoso.

NATUREZA INSTITUCIONAL

Outra característica muito importante do sistema arbitral de consumo da Espanha é que ele é de natureza institucional, ou seja, é o Estado que presta o serviço, o que garante a independência dos árbitros e transparência do sistema, já que não é custeado por empresários ou advogados dos empresários, e isso reforça a confiança do consumidor no sistema.

Em resumo, o procedimento arbitral nas juntas é o seguinte. O consumidor faz a reclamação por meio de um formulário nas oficinas do consumidor da administração ou por meio eletrônico, a junta arbitral faz uma análise se a reclamação cumpre os requisitos formais, se é um caso dentro de sua competência, se cumpre os requisitos positivos e negativos, assim como a validade do convenio arbitral se for o caso. 

Se o caso cumpre os pressupostos e requisitos a junta arbitral notifica as partes e designa o órgão arbitral que vai ser responsável por analisar e decidir o caso. Depois começa a fase de mediação prévia e se as partes não chegam em um acordo são citadas para a audiência. Nela as partes podem se manifestar por escrito ou oralmente e são apresentadas as alegações e as provas relacionadas com o caso. O procedimento finaliza com o laudo arbitral ditado pelo órgão arbitral. Tudo isso pode ser feito em 30 dias e as partes já tem um resultado definitivo para o seu conflito.

REFORMA DA LEI NO BRASIL

Na recente reforma de lei de arbitragem brasileira, foram vetados dois parágrafos que reformariam o artigo 4º, que se relacionavam com a arbitragem nos contratos de consumo e de adesão. A redação proposta foi a seguinte: § 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em documento apartado. § 3º Na relação de consumo estabelecida por meio de contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição.

Os motivos alegados para o veto foram queda forma prevista, os dispositivos alterariam as regras para arbitragem em contrato de adesão. Comisso, autorizariam, de forma ampla, a arbitragem nas relações de consumo, sem deixar claro que a manifestação de vontade do consumidor deva se dar também no momento posterior ao surgimento de eventual controvérsia e não apenas no momento inicial da assinatura do contrato. Em decorrência das garantias próprias do direito do consumidor, tal ampliação do espaço da arbitragem, sem os devidos recortes, poderia significar um retrocesso e ofensa ao princípio norteador de proteção do consumidor.

A possibilidade de estabelecer a arbitragem em contratos de adesão é uma questão muito importante. Ao longo de anos da experiência espanhola no tema, os autores relatam que começaram a aparecer contratos de adesão que estabeleciam cláusula de submissão de algum conflito decorrente da contratação à arbitragem, mas fora do sistema institucional, para tribunais privados de arbitragem, muitos dos quais não respeitavam os princípios da arbitragem, em especial a independência dos árbitros. 

Os tribunais, então, começaram a declarar nulidade destas cláusulas. Em síntese, as razoes para isso foram a falta de manifestação da vontade do consumidor, que isso configura a contravenção de uma norma imperativa que garante o acesso à justiça ao consumidor e a renúncia antecipada do consumidor a seus direitos, que vulnera o direito fundamental à tutela judicial efetiva eque também impede que o consumidor tenha acesso ao sistema arbitral de consumo institucional.

OPÇÃO DO CONSUMIDOR

Para que a arbitragem em conflitos de consumo, portanto, possa tornar-se uma realidade é necessário que a opção do consumidor por participar do processo seja feita de uma forma consentida e expressa. Mesmo que os contratos de adesão estabeleçam a submissão do conflito à arbitragem, o consumidor deve ter a liberdade de escolher se deseja participar ou não. 

Isso é uma forma também de respeitar a voluntariedade, que é um dos princípios aplicáveis aos métodos denominados alternativos de resolução de conflitos.Ao contrário do que afirma a mensagem do veto, o artigo vetado na forma que estava previsto se adequava a isto, já que exigia a manifestação por expresso do consumidor em participar de um processo de arbitragem.

Outro ponto importante dentro deste debate é como garantir a independência das instituições de arbitragens privadas. As normativas europeias que regulam as instituições de resolução alterativa de conflitos de consumo, estabelecem diversas normas que tem como objetivo garantir a independência dos árbitros. A Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios em matéria de consumo, por exemplo, estabelece que os árbitros serão nomeados para um mandato com duração suficiente para garantir sua independência e não podem ser retirados sem justa causa, também não podem receber instruções direta de nenhuma das partes ou de seus representantes e a sua remuneração não pode ter relação com o resultado das arbitragens que participa.

A arbitragem é uma forma muito rápida, barata e eficaz de resolver conflitos em relações de consumo, mesmo comparado à um procedimento judicial mais simplificado, como por exemplo os procedimentos dos juizados especiais cíveis brasileiros. Uma alternativa para implantar um sistema no Brasil parecido como o descrito neste artigo poderia ser através dos Procon's ou agências reguladoras, e por ser uma arbitragem institucional, poderia garantir a independência dos árbitros, grande temor dos especialistas quando debatem o assunto.

RECLAMAÇÕES DE CONSUMO

De fato, no Brasil muitas das reclamações de consumo que terminam nos juizados especiais passaram pelo Procon e as agências reguladoras e um sistema mais efetivo nesta fase inicial da reclamação, com a adoção de um procedimento de arbitragem conduzido por um órgão institucional e independente, composto por representantes da administração, dos empresários e dos consumidores, poderia contribuir para a diminuição dos processos judiciais em nossos tribunais.

Outro caminho que vislumbro é a adoção de normas mais rígidas aos tribunais arbitrais privados que possam garantir a independência dos árbitros e instituições, como estão tentando fazer nas normativas europeias para resolução alternativa de conflitos de consumo, em especial a Diretiva 2013/11/UE,que inclusive estabelece a possibilidade das instituições arbitrais serem remuneradas exclusivamente por empresários, desde que se respeitem determinados parâmetros que possam garantir sua independência e imparcialidade, assim como a remuneração desses árbitros em nenhuma hipótese pode ter correspondência com os resultados e decisões que ditam.

Flávio de Freitas Gouvêa Neto é advogado e mediador, pós-graduado em Mediação, Negociação e Resolução de Conflitos pela Universidade Carlos III de Madrid.

Fonte: Consultor Jurídico


'Lei da Fila': em Goiás, consumidor será indenizado por agência bancária por demora em atendimento

Muitos consumidores são lesados, diariamente, nos direitos relacionados aos atrasos causados pelas filas nas agências bancárias, mas poucos brigam por eles na justiça. Não foi o caso de um goiano que, no dia 27 de março deste ano, ficou exatos 61 minutos aguardando atendimento.

“O que nem todos sabem é que o consumidor pode ser indenizado pelos bancos, caso fique caracterizada a demora no atendimento por culpa exclusiva do agente financeiro”, destaca Wilson Cesar Rascovit, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo – Ibedec Goiás.

“A cidade de Goiânia possui uma Lei Municipal nº 7.867, promulgada em 15 de março de 1999 e alterada pela Lei 8.408, de 4 de janeiro de 2006, pela qual fica estabelecido o tempo máximo para atendimento em bancos, que é de 30 minutos, descrito em seu artigo 2º, inciso II da referida lei”, informa.

Rascovit que o consumidor goiano, após ficar mais de uma hora à espera de atendimento, percebeu o descaso do banco e, por isto, decidiu procurar seus direitos junto ao Ibedec Goiás para ingressar com ação de indenização.

Em sentença do último dia 23 de outubro, proferida pelo juiz federal Roberto Carlos de Oliveira, do 14º Juizado Federal de Goiânia, a ação foi julgada procedente e a Caixa Econômica Federal obrigada a indenizar o consumidor, conforme descreve abaixo:

“Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial (art. 269, I, do CPC), para condenar a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL a reparar o dano moral sofrido pelo autor, razão pela qual fixo a indenização em R$ 3.000,00 (três mil reais), acrescidos de correção monetária pelos índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal e juros de 1% ao mês até o efetivo pagamento, contados a partir da prolação da sentença.”

Em sua decisão, o juiz ainda fundamentou o seguinte:

“A permanência na fila de clientes e usuários, por tempo excessivo, não é situação que meramente se amolde às regulares angústias cotidianas, mas gera fadiga e indignação, com prejuízo social, em virtude da impossibilidade dos usuários nas filas ocuparem seu tempo em atividades profissionais ou outras de cunho particular, especialmente as que trabalham e deixam o horário de refeição para promover transações bancárias.
Assim, o tempo de espera em fila de estabelecimento bancário excessivamente superior ao limite fixado na lei municipal configura por si só a ocorrência de dano moral in re ipsa, pelo que o autor faz jus à indenização. Precedentes:
CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. ESPERA EM FILA DE BANCO. PRAZO DEMASIADAMENTE LONGO. INOBSERVÂNCIA DA LEI. OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA. DANO MORAL CARACTERIZADO. DEVER DE INDENIZAR. 1. A Lei Distrital n. 2.547/2000, cuja eficácia foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, estabelece um prazo máximo de 30 minutos para o atendimento nas agências bancárias do Distrito Federal. A extrapolação de tal prazo, sem justificativa aceitável, constitui fato ilícito. 2. O cansaço físico e o desgaste emocional, impingidos à pessoa que é obrigada a esperar cerca de duas horas em fila, numa agência bancária, para fazer um simples depósito, mostra-se afrontoso à dignidade do consumidor, não podendo considerado mero aborrecimento, caracterizando-se, sim, em dano moral passível de reparação em pecúnia. Decisão: Dar provimento ao recurso. Maioria. (20060710146645ACJ, Relator Jesuíno Rissato, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Do DF, julgado em 18/09/2007, DJ 12/12/2007 p. 119). Grifei.”


Da sentença, ainda cabe recurso por parte da Caixa.

Conforme o presidente do Ibedec Goiás, “o consumidor não pode deixar de exercer seus direitos podendo, assim, recorrer ao Judiciário por tais irregularidades”.

“Todo consumidor, que vai a um banco, deve exigir a senha de atendimento com data e horário. A partir daí, basta confrontar os dados da senha com qualquer comprovante de depósito ou pagamento feito, que também irá constar data e hora. Se o tempo ultrapassou os 30 minutos permitidos em lei, o cliente pode buscar indenização. A ação pode ser feita diretamente no Juizado Especial Cível e não necessita sequer do acompanhamento de advogado.”

O que diz a lei municipal nº 7.867

Art. 1º - Ficam as agências bancárias, no âmbito do município, obrigadas a colocar à disposição dos usuários pessoal suficiente, no setor de caixas, para que o atendimento seja efetuado em tempo razoável.

Art. 2º - Para os efeitos desta lei, entende-se como tempo razoável para atendimento;

I - até 20 (vinte) minutos em dias normais;
II - até 30 (trinta) minutos em véspera de, ou após feriados prolongados;
III - até 20 (vinte) minutos nos dias de pagamentos de funcionários públicos municipais, estaduais, federais e de vencimento e recebimentos de contas de concessionárias de serviços púbicos, tributos municipais, estaduais e federais.
§1º - Os bancos ou entidades representativas informarão ao órgão encarregado de fazer cumprir esta lei, as datas mencionadas nos inciso II e III.
§2º - O tempo máximo de atendimento referido nos incisos I, II e III levará em consideração o fornecimento normal dos serviços essenciais á manutenção do ritmo normal das atividades bancárias, tais como: energia, telefonia e transmissão de dados.

Art. 3º - O não cumprimento das disposições desta Lei Sujeitará o infrator às seguintes punições:

I – Advertência escrita, na 1ª ocorrência (redação alterada pela Lei nº 8.408, de 04/01/2006);
II - Multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), na primeira reincidência (redação alterada pela Lei nº 8.408, de 04/01/2006);
III - Multa no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), na segunda reincidência (redação alterada pela Lei nº 8.408, de 04/01/2006);
IV – Multa no valor de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), na quarta reincidência (redação alterada pela Lei nº 8.408, de 04/01/2006).

Art. 4º - As agências bancárias têm o prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da publicação desta lei, para adaptarem-se às suas disposições.

Art. 5º - Fica a Secretaria Municipal de Fiscalização encarregada de fiscalizar quanto ao cumprimento do disposto na presente Lei, concedendo-se o direito de defesa ao banco denunciado.

Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.